quarta-feira, 26 de setembro de 2012

... a Transiberiana

Para quem queria ser russo quando crescesse, como o Renato, atravessar todo o país de trem, na famosa Transiberiana, era mais que um sonho. Posso dizer que era uma meta de vida!



Por isso, foi com muita ansiedade e um frio imenso na barriga que embarcamos nessa aventura aos 35 minutos do último sábado, dia 22 de setembro. A pretensão é chegar até a China, fazendo uma única parada em Irkutsk, no interior da Rússia, de onde escrevo esta postagem.
De Moscou até Irkutsk, percorremos 5.194 quilômetros de distância em exatas 87 horas de viagem. O trem fez 66 paradas, mas nós só descemos para espichar as pernas fora do vagão. Num total de quatro dias, não demos um passo sequer para fora de uma estação. Nossa casa foi, provisoriamente, um antigo trem da década de 1950. Temos até suspeitas de que o camarada Stalin mandou ali muitos “amigos” para a Sibéria. Rsrsrs...



Ainda estamos na metade da jornada e, por isso, talvez seja cedo para fazer um balanço geral. Mas vou arriscar um comentário com as primeiras impressões: em todo o trajeto, não há nenhuma paisagem espetacular, digna de um cartão-postal. Mas é muito bonito contemplar, por horas a fio, o colorido das florestas russas, com folhas de árvores nos mais variados tons de amarelo, alaranjado e vermelho; a arquitetura das casinhas de madeira; a vida pacata das pessoas que moram nos pequenos vilarejos à margem dos trilhos; a rotina dos viajantes e dos trabalhadores nas estações de trem... Em outras palavras: a viagem é um exercício de dar valor a pequenos detalhes de um cotidiano russo!





















... a cabine

Fizemos toda a viagem num vagão de segunda classe, onde, em cada cabine, viajam quatro pessoas. Esta era a melhor opção dentre as que nos foram oferecidas. Num outro trem, havia primeira classe, com cabine privativa para um casal e um preço bem salgado. Mas, na data que nos atendia, só havia trens com segunda e terceira classes. Graças a Deus, optamos por pagar o dobro do preço e ficar na segunda... Porque a terceira mais parece um pau de gaiola, com um cheiro de murrinha insuportável!
A nossa cabine, com 2 metros de comprimento e 1,80m de largura, tinha dois beliches bem confortáveis, com um colchãozinho, roupas de cama brancas e cheirosas, travesseiro e edredon. Em cada vagão, havia apenas dois banheiros para um total de 36 passageiros. A parte negativa era que não havia ducha. Mas a salvação era que, como fazia frio no trem, a falta de banho foi quase suportável. (Digo “quase” porque nós tomamos um banho “tcheco” todos os dias... Uma lavadinha nas partes íntimas e no sovaco, uma mão molhada no cabelo e um toque de Victoria Secret no fim deu para despistar bem! Rsrsr...)


... as companhias

Nosso maior receio para cruzar a Transiberiana era sobre quem seriam nossos companheiros de cabine por tanto tempo, em tão longa viagem? Pensamos nos mais mal-encarados tipos russos, em bebuns grosseiros, em adolescentes porcalhões, numa tripulação ranzinza... confesso que não estava muito otimista.
E, já no embarque, tivemos uma surpresa. Fomos os primeiros a entrar na cabine. Em seguida, chegou uma criança risonha carregando um grande embrulho. Pensamos: pronto, esse menino vai fazer bagunça na nossa cabeça a viagem inteira. Na sequência, apareceu um adolescente, de uns 14 anos, com outra mala bem avantajada. Aí, gelamos... Uma criança e um aborrecente por quatro dias consecutivos seria mortal!
Mas, para a nossa alegria, eles eram apenas os “carregadores de mala” da simpática vovó, chamada Anna, que parecia ter saído de um desenho animado. Com 81 anos de idade, bem gordinha, cabelo preso em coque, pés bem pequenininhos e um cheirinho de limpeza, ela se despediu calorosamente dos netos e foi nossa fiel companheira na primeira etapa da Transiberiana. Nessa carência de colo de vó que eu estou, adotei Anna como minha babushka.





Que sossego tivemos com a firme presença da Anna! Com cara de ser bem sistemática, ela pôs ordem na cabine e, nenhum dos outros acompanhantes que entrou no nosso “quartinho” ousou fazer qualquer tipo de bagunça. Descobrimos que ela foi professora de jardim de infância, detesta os Estados Unidos, tem três filhos, alguns netos (não sabemos quantos) e, quando mostramos um copo comprado pelo Renato em Moscou, com a foto de Lenin e o símbolo do comunismo, ela não segurou a risada.
Mesmo sem termos uma língua em comum, já deu para ver que a comunicação não foi problema para nós. Acreditem se quiser, mas, mesmo em russo, ela conversou conosco toda a viagem. Ela na língua dela e nós com um sorriso sempre aberto, nos entendemos super bem. A afinidade foi tanta que a Anna vivia preocupada com nosso bem-estar, ajeitando nosso edredon quando fazia frio, ensinando técnicas de aquecer a cama com uma garrafa de água quente e até se agachando para ajudar a procurar um brinco meu no chão... uma gracinha!
Além da Anna, outras pessoas passaram por nossa cabine ao longo da viagem. Nas primeiras quatro horas, tivemos a companhia rápida de um rapaz simpático. Mas, apesar de ele falar inglês, a Anna monopolizou a conversa e ficou horas batendo papo com o moço em russo. Quando ele desceu, entrou um outro loirinho, super calado e discreto, chamado Pavlin. Ele passava horas e horas dormindo ou brincando no celular. Mas ele era divertido e, depois de umas cervejas e uns conhaques no restaurante do trem, voltou sorridente, fez vários brindes com o Renato, compartilhou bebidas e tira-gostos e, juntos, demos boas risadas.

A parte mais cômica é que ele se engraçou para o lado de uma das comissárias do trem. Até a Anna captou que havia um romance no ar e, num tom de segredo, nos fez a fofoca de que os dois estavam no maior “I love you” (única expressão em inglês que a babushka parecia conhecer!). Rsrsrs... Numa das madrugadas, Pavlin sumiu da nossa cabine e temos fortes suspeitas de que ele” encantoou a paca” na cabine da comissária, como diz o Tunai.
Também fizemos amigos fora da nossa cabine. No mesmo vagão, havia um casal super peça rara! Dimas e XXX (não consegui entender nenhuma letra do nome da mulher dele!). Parece que eles tinham se casado há poucos dias e, portanto, não se cansavam de mostrar fotos da boda feitas no celular. O Dimas gostava de uma cervejinha brava e, claro, essa foi a razão de tanta afinidade com o Renato. Para selar a amizade, antes de desembarcar, eles nos presentearam com um santinho da Igreja Ortodoxa Russa e, pelas mímicas, eu deduzi que aquela imagem seria do padroeiro dos casais.



Outro amigo do vagão foi o garoto Dimian, de apenas 4 anos de idade. Como todo bom gordinho, ele farejou longe as guloseimas que havia em nossa mala (chocolates, biscoitos e afins) e, portanto, não foi difícil conquistar a amizade dele. Ele sempre tinha um sorriso aberto para nós e, vira-e-mexe, ensaiava umas brincadeiras de luta conosco no corredor. E foi numa dessas que o Renato soltou uma pérola que quase me matou de rir. Segundo ele, o Dimian é o menino mais feliz do mundo por estar fazendo, aos 4 anos, a viagem que tivemos de esperar 40 anos para fazer... Eu mereço, né?


... o (con)fuso horário


A Transiberiana cruza 8 fusos horários em todo o seu percurso, de Moscou a Vladisvostok. Isso é mais que suficiente para dar um nó nos neurônios dos viajantes. A confusão é ainda maior porque as passagens são vendidas no horário de Moscou, as paradas são sinalizadas na hora de cada cidade e os relógios dentro do vagão mostram o horário de Vladivostok.
Para se ter uma ideia do caos, num dos dias da viagem, quando o sol nasceu, nosso relógio (no horário de Moscou), marcava 3h. Mas em Omsk (cidade onde estávamos naquele momento), eram 6h. E os relógios do trem já marcavam 11h...
Não bastassem os relógios em descompasso total, continuamos analfabetos, surdos e mudos na Transiberiana. O russo é a única língua tanto da tripulação quanto dos avisos internos do trem. E acho que eles estão cobertos de razão (rsrsrs...) de não informarem nada em outro idioma, afinal de contas, eu e Renato éramos os únicos turistas estrangeiros em todo o trem. 


 

... o estoque


A dificuldade de obter informações sobre os serviços prestados dentro do trem nos levou a uma paranoia. E, com medo de passar fome, literalmente, enchemos uma mala de comida para enfrentar a jornada de quatro dias.
Nosso gordo estoque tinha 5 litros de água, 3 litros de Coca-Cola, 3 litros de leite, duas caixas de Sucrilhos, três latas de sardinha, 3 quilos de queijo (grana padano, ementhal, provolone, etc.), 8 pacotes de macarrão instantâneo (miojo), um quilo de salaminho, 5 barras de chocolate, 3 pacotes de biscoitos, amendoim, pistache...







Confesso que exageramos um pouco, porque o trem tem um restaurante razoável com refrigerantes, cervejas e chips. Também havia sopa e alguns pratos executivos, mas nada delicioso não. Eu experimentei um bife de carne moída com ovo frito e arroz e o Renato, salmão com purê de batatas. Matou a fome, mas não estamos com vontade de repetir a dose.





E para garantir os banhos “tchecos” tínhamos lenços umedecidos, rolos e mais rolos de papel higiênico e papel toalha, sabonete líquido, desodorante... Realmente, um estoque mais que essencial!

... a tripulação

Vários guias de viagem nos alertaram sobre a importância de manter boas relações com as comissárias do vagão, porque se depende delas para serviços essenciais na Transiberiana. E, por sorte, esta foi a parte mais fácil da viagem. Fomos presenteados com as alegres e bem-humoradas Olga e Katya, duas moças sempre de minissaia, bota no joelho e maquiagem no rosto que, mesmo sem falar a nossa língua, também se comunicaram conosco sem nenhum problema, só na base da mímica e do sorriso.


Aliás, gostaria de fazer um registro: em nenhum lugar da Rússia fomos tão bem tratados como no trem. Além das comissárias, a garçonete que vendia bebidas no corredor era sempre educada, os garçons do restaurantes bastante pacientes e prestativos... Um luxo para os padrões de tratamento russo!

... o combustível

“Por que de trem?” Essa foi a pergunta que ouvimos dezenas de vezes ao contar a alguém (russo ou de qualquer outra parte do mundo) que iríamos cruzar toda a Rússia até chegar à China. Ninguém conseguia entender porque não queríamos fazer tão longo percurso de avião. E, diante da perplexidade das pessoas, minha resposta era sempre taxativa: “vamos realizar o maior sonho da vida do Renato”. Mas essa frase, na verdade, não era para justificar nada a ninguém, e sim para servir de combustível para mim, para me dar forças e coragem para jamais desanimar da empreitada.
Portanto, não importam minhas impressões sobre a Transiberiana! Se foi cansativo, monótono ou sem grandes paisagens...
Cheguei até aqui para ser companheira do meu maior companheiro de vida! Foi isso o que me moveu e é apenas isso o que me importa! E fiz tudo com um sincero sorriso de alegria no rosto, porque ver estes olhos verdes (pelos quais sou apaixonada) mareados de tanta emoção a cada apito do trem, realmente, não tem preço.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

... a moda

A moda dos namorados trancarem o amor com cadeado nas pontes pegou no mundo todo!
Participamos desse ritual de romantismo bregua em Paris e, depois disso, já vimos a mesma cena em Amsterdã, Cracóvia, São Petersburgo...

Em Moscou, os cadeados são colocados nos galhos de uma árvore de metal "plantada" no meio da ponte. E, na cabeceira da estrutura, há um banquinho bem barango, com duas alianças gigantes, para os pombinhos posarem para as fotos.



A Duda é quem ia gostar da cena. Não tenho dúvida que ela diria: "que amor, hein!".

... os carros

Para fazer fotos charmosas com carros antigos nas ruas de Moscou e São Petersburgo o Renato teve de garimpar! Os ultrapassados automóveis soviéticos perderam espaço para os carrões de luxo e, na Rússia, só há BMW, Volvo, Audi, Land Rover...